sábado, 13 de setembro de 2008

Exclusivo: Bandejão em colapso

(com colaboradores)

* Filas quilométricas para entrar, falta de talheres, congestionamento para pegar suco, meia-hora na fila para sair: caos se instala no Bandejão e deixa evidente seu colapso

* Especialistas não conseguem entender o porquê e propõem soluções

* Rodízio de RA será implementado até outubro. Piora do cardápio já está em prática


Eram 11h43min desta segunda-feira, 08 de setembro de 2008, quando O, J e S, todos da Faculdade dos Fármacos chegaram ao Bandejão. A essa hora as filas já faziam uma volta. “O que vou fazer? Se deixar para depois piora”, comentava, resignada, J. Pouco depois, às 12h04min, com as filas já em sua segunda curva, conversamos com A, da Faculdade dos Físicos. Ele comenta que aquela fila o rememorava da sua infância, de quando ia com sua babá na fila do INPS. O dia nublado e o clima ameno ajudaram os três colegas e A que, assim como milhares de outros estudantes da Universidade se dirigiram à mais tradicional casa de pasto da Universidade, a suportar a fila. O, J e S só conseguiram entrar no Bandejão às 12h12min. Daí até serem servidos, outros 26 minutos, pelo menos. Na hora em que entravam a fila do lado de fora chegava ao seu ápice. Segundo a CET-CBC-U (Centra de Tráfego e Controle dos Bons Costumes da Universidade), se as pessoas formassem uma fila apenas, ela chegaria próxima ao Hospital do Olimpo.

Mas a fila externa era apenas o aspecto mais fácil de se lidar, bastava apenas um pouco de paciência e tempo (e a sorte de não ter um professor pontual e que faz chamada no início da aula). Ao entrar no referido estabelecimento, o caos se tornava evidente: um redemoinho de gentes se apertando e se questionando que fila era aquela (se a interna ou a externa), como se pudesse distinguir uma fila naquele emaranhado. Como disse um aluno da Faculdade de Engenharia Filosófica, citando Platão: “no início era o caos”. Muitos acreditavam que a demora para entrar e a confusão para se mover dentro do Bandejão fossem conseqüências da falta de algum funcionário (dentro do Bandejão, entre esfregar o cu na catraca e sair com a bandeja servida chegou-se a 33 minutos de espera). Se surpreendiam ao ver que os funcionários estavam todos lá: a fila empacava primeiro na hora de pegar talheres. Não foi incomum ver alunos tendo de se contentar em comer com duas facas, já que garfos há muito estavam esgotados. Outros, mais desinibidos, pediam os garfos daquelas pessoas que se levantavam para sair. A Equipe Trezenhum chegou a presenciar uma triste cena de um aluno da Faculdade dos Economistas que, diante da ausência de talheres – tanto garfos quanto facas – hesitava entre comer com as mãos ou cair direto de boca na bandeja. Uma garota da Faculdade das Tias que estava próxima a ele e que o conhecia de outros carnavais (na verdade, de festas), disse que ele deveria cair de cara no pote, já que devia ser esse seu jeito natural de comer; ao que ele respondeu que a vaca era ela, e ela replicou perguntando como uma galinha podia ter parido aquele porco asqueroso; ao que nós preferimos continuar nossa reportagem e deixar os dois a sós, trocando gentilezas verbais. Essa discussão apenas ilustra o grau de tensão que se instaurava no refeitório.

Outra dificuldade estava em conseguir lugar para sentar. Às 13h49min, ou seja, onze minutos antes de encerrar o horário de expediente, pessoas ainda precisavam circular por entre as mesas, em busca de um lugar para se sentar. Não se registrou caso de pessoas sentadas no chão. Ainda.

Claro que ninguém imaginava que uma vez tendo encontrado um lugar, o que restava era apenas comer. Os funcionários se revezavam na substituição de máquinas de suco mas não conseguiam vencer a demanda. Com isso resultava uma cena de dezenas de pessoas indo de uma máquina a outra, em busca de suco, até o surgimento do funcionário com a máquina nova, atrás do qual iam todas aquelas pessoas. Algumas, mais apressadas, tentavam pegar o suco já no caminho, para irritação do funcionário (até porque a máquina não funciona fora da tomada). Nessa busca por algo por beber, espertinhos se aproveitavam para se sentar no lugar de quem estava fora, o que contribuiu para o aumento do caos. Alguns alunos, mais ingênuos, chegaram a achar que estavam com algum problema de localização, sem desconfiar que sua bandeja (e, mais importante, seu lugar) havia sido surrupiada.

O drama persistia ainda na saída. Mesmo com a operação de uma força tarefa, que chegou com um tanquinho para agilizar o depósito de bandejas, o tempo médio para sair, entre o meio-dia e as duas da tarde foi de 31 minutos. Isso, claro, para aqueles que respeitavam aquela fila um tanto amorfa que se formava. Para os espertos, dificilmente a espera chegava a dois minutos. Mas houve um caso de que a pressa custou uma camiseta manchada de suco de amarelo (propositadamente, segundo o derramador). Esse, inclusive, foi outro fator que auxiliou no caos: pessoas que perdidas, confusas, desnorteadas, puteadas, derramavam suco, molho e salada nas outra (principalmente nas que estavam sentadas).

“É uma prévia do apocalipse”, anunciava P, da Faculdade das Tias e integrante da Abu-Seita Cristã. No cardápio do dia: cozidão misto. Talvez ela não estivesse tão errada.


Caos também no Bandejão de Prato

O colapso da rede de alimentação da Universidade atingiu também o Bandejão de Prato. Parte da Equipe Trezenhum se dirigiu ao referido local e constatou que pessoas usavam a sacada como bancada e comiam em pé. A cena, segundo muitos clientes universitários usuários do Bandejão de Prato, vem se repetindo desde o início do semestre.

O único local a salvo do caos é o Restaurante Seletivo. E assim deve permanecer, haja visto que tanto a Reitoria quando a direção da Faculdade de Culinária descartam um aumento no número de refeições servidas no local.


Especialistas e clientes divergem sobre causas

Foi impossível encontrar entre especialistas, clientes universitários e funcionários explicação que desse conta de entender a situação de colapso vivenciada na segunda-feira. Entre os clientes universitários, a tese mais difundida é que o grande afluxo ao Bandejão foi devido à farofa. Especialistas rejeitam tal hipótese: “o que vimos não é presenciado nem em dia de feijoada! Como uma farofa pode causar isso?”. Um funcionário consultado concorda: “não há farofa que salve cozidão misto”.

Professores da Faculdade dos Economistas se dividem principalmente em duas correntes explicativas. Mais à esquerda, uma corrente diz que a culpa é do aumento do preço dos alimentos no mundo (por mais que tal aumento ainda não tenha chegado às cantinas da Universidade). A outra corrente diz que se tratou de um típico movimento de manada, induzido talvez, por algum boato falso que gerou um clima de instabilidade nos agentes racionais.

Se houve realmente boato falso, o DFE (Diretório Formal dos Estudantes) avisou que ele não partiu do seu Núcleo de Boatos Falsos, o qual se encontra atualmente ocupado com as eleições municipais (cujo principal boato falso é dizer que uma estudante é trabalhadora sem nunca ter trabalhado). Para o DFE, bem como para diversos grupos políticos da Universidade (Movimento Afirmação da Negação, Partido dos Super-Trabalhadores Indignados, Movimento Jr. do Partido da Causa Uberária, Casinhas Acadêmicas, entre outros), a culpa do colapso do Bandejão é do Reitor do governador, que fizeram a ampliação de vagas na Universidade. Já começa a circular abaixo-assinado pedindo o cancelamento das vagas abertas nos últimos dez anos. Na sexta-feira esse grupo locou uma kombi e foi protestar contra o caos no Bandejão em evento em que estava presente o governador Zé Serrote. O governador reagiu dizendo que a acusação é “infundada”, porque “estudante é tudo burro e inútil; e só sabe chorar”. E completou fazendo alusão à solene tese de seu colega de partido sociólogo e ex-presidente da República, ao dizer que “estudante só não é pior que professor, que além de incompetente é fracassado”.

Por seu turno, Paulistinha, dono do “Dogão Dosmoras”, nos disse em off que acha que a culpa pelo colapso é que “estudante é tudo vagabundo”.

Já a Reitoria levantou a hipótese de falha no sistema, o que teria permitido que alunos fizessem seu “pequeno almoço”, como diriam os lusitanos, às onze da manhã e voltassem para almoçar de verdade às 13h. Já se abria, inclusive, uma sindicância interna para apurar os responsáveis e demiti-los por justa causa, quando um parecer da área técnica da Faculdade dos Computadores, responsável pelo sistema, descartou tal possibilidade. Segundo o parecer, “o sistema é perfeito, feito exatamente como o Reitor pediu. Parece que foi até o Reitor quem fez”. Diante de tão efusiva prova de bom funcionamento, o Reitor desistiu da sindicância.

Por fim, até Trezenhum foi responsabilizado pelo caos no Bandejão, tudo por conta da nossa defesa dessa grande casa de pasto, e das nossas camisetas de apoio e estímulo ao mais tradicional restaurante da Universidade.


Piora na comida e rodízio de RA

“A resolução do problema invariavelmente passará por um remédio amargo, ou melhor, por uma comida ruim”, nos adverte um especialista consultado. A primeira medida, tomada em caráter de urgência em reunião de cúpula do Bandejão logo após o encerramento do expediente, foi nessa direção. Deliberou-se que o cardápio da semana seria alterado, de modo a desestimular a ida ao Bandejão. Foram abolidas as guarnições. Só não se adotou salsicha, ovo e frango frito a semana toda por não haver tempo hábil para alterações tão bruscas no cardápio, “mas ela virão”, admitiu a chefe do Bandejão. Outra medida já aceita e que deve entrar em vigor até o início do mês de outubro é o rodízio de RA, inspirado no rodízio de placas da capital. CUs com final 1 e 2 serão bloqueados na segunda, 3 e 4 na terça, e assim sucessivamente, até o 9 e 0 na sexta.

Consultamos alguns clientes universitários e eles se mostraram, em geral, insatisfeitos com a medida. Alguns, cientes da alarmante situação e saudosos de casa, dizem que aprovariam a medida, desde que as canecas, a partir de agora, viessem equipadas com buzina – para mimetizarem de maneira mais fiel a sinfonia urbana da capital.

Outra proposta levantada foi o aumento do horário de almoço, que iria até às 15h. Há, porém, resistência dos professores, que se recusam a abrir mão de uma hora de aula “só para que os alunos comam”. Fanhinho, professor da Faculdade dos Economistas argumenta que há outras opções para comer, como o restaurante Carus, logo na saída da Universidade, e cuja comida é muito melhor “e nem é cara” (R$ 29,90 o quilo, que eles escrevem com k, ainda por cima).


Brota-Cruzes diz que colapso não é surpresa

O ex-Reitor da Universidade e atual coronel da FEPESP (Fundação de Estímulo ao Patriarcado e ao Suicídio Paulista), professor Brota-Cruzes diz que o colapso no Bandejão era uma mera questão de tempo. Ele diz já ter antevisto isso quando reitor, mas que a cegueira de grupos políticos presentes na universidade impediu que fossem tomadas medidas em tempo hábil.

TZN: O senhor diz que o colapso já era previsto, por que nada foi feito antes?

Brota-Cruzes: Não foi feito porque a Universidade insiste em dar abrigos a grupos políticos, quando ela deveria ser um local de pesquisa, onde apenas entram cientistas. E cientistas comprovadamente ilibados! Estudos científicos feitos há seis anos, quando eu era reitor, previam justamente para a primeira semana de 2008 o colapso do Bandejão.

TZN: O senhor pode nos mostrar esses estudos?

Brota-Cruzes: Eu ia trazer, mas acredita que o meu cachorro comeu?

TZN: E o que poderia ter sido feito para evitar o colapso?

Brota-Cruzes: Poderia ter sido feito aquilo que eu quis fazer e não pude: tirar da Universidade esse bando de pobres. O Bandejão deveria ser só para funcionários, o que permitiria oferecer uma gororoba quase intragável sem o risco de sermos incomodados. Não sei se vocês se lembram que eu tentei vincular bolsas-auxílio ao rendimento escolar. Pois grupos políticos impediram que isso fosse feito e o resultado é esse que nós tristemente assistimos.

TZN: Qual a solução que o senhor sugere para o momento?

Brota-Cruzes: Chegamos a um estado lastimável e calamitoso. O que nos resta agora são medidas bruscas. Vou enumerá-las: 1) aumento do valor da refeição, passando dos atuais R$ 2,00 para R$ 4,00, e com reajuste vinculado à taxa Selic (isso, inclusive, ajudaria a Universidade a fazer caixa e investir na bolsa de valores. As ações das Faculdades Nhengüera, por exemplo, estão dando retornos altíssimos A FEPESP que o diga!); 2) corte de funcionários; 3) diminuição no fornecimento da ração de carne, e fim dos sucos e chá (gastos supérfluos); 3) apenas abacaxi como sobremesa (porque ajuda no rendimento); 4) Permissão para o carrinho Sem-Noção adentrar o recinto para tocar as músicas agradáveis que sempre tocam (isso diminuiria o tempo de permanência das pessoas dentro do Bandejão). Garanto que com estas medidas simples e racionais, a situação estará normalizada até o fim do ano.


Nota da redação: Novo bandejão

É reivindicação velha, que os integrantes da Equipe Trezenhum desde sempre apoiaram, a construção de um novo Bandejão. Não somente isso, acreditamos que o mesmo deva ser feito com urgência e em lugar de fácil acesso, e não na pqp, como o Bandejão de Prato. As alternativas que vemos é ou a construção desse novo bandejão ou a ampliação do horário de atendimento do atual até às 15h, com proibição de chamada antes dessa hora.


Trezenhum. Humor sem graça. Nº 34. Todos os esquerdos reservados. Na ausência destes o uso é livre (mas ideológico). www.trezenhum.blogspot.com